Tão logo nasceu, Apolo foi levado para o país dos Hiperbóreos por cisnes de uma brancura imaculada. Da Grécia à Sibéria, da Ásia Menor aos povos eslavos e germânicos, um vasto conjunto de mitologemas celebra o Cisne, cuja brancura, vivacidade e graça se constituem numa verdadeira epifania da luz. Mas, assim como existem duas colorações para o cisne, a branca e a negra, de duas maneiras igualmente se nos apresenta a luz: a do dia, solar e masculina, e a da noite, lunar e feminina. Na medida em que encarna uma ou outra, o simbolismo da ave de Febo Apolo inflete numa ou noutra direção. Sintetizando as duas, o que é frequent, o cisne se torna andrógino, carregando-se mais ainda de mistério sagrado. Um conto, de cunho popular e com inúmeras variantes, comum aos povos altaixos, eslavos, escandinavos e iranianos, mostra, com muita clareza, os dois lados do símbolo.
Certa feita, um caçador surprendeu três jovens lindíssimas que se banhavam num lago solitário. Eram três cisnes, que se haviam despido de seu manto de plumas para entrar na água. O astuto caçador escondeu uma das "indumentárias", o que lhe permitiu desposar uma das jovens. Este cisne fêmea, após lhe dar onze filhos e seis filhas, retomou sua plumagem e alçou vôo em direção ao céu, dizendo ao caçador as seguintes palavras: "Vocês, seres terrestres, permanecerão na terra; eu, porém, pertenço ao céu e para lá voltarei. Cada ano, na primavera, quando virem os cisnes passar, voando em direção ao norte e, no outono, regressando ao sul, comemorem nossa passagem com cerimônias especiais.
Se Apolo é também, em grau superlativo, o deus das Musas e da mântica, o cisne é símbolo da força do poeta e da poesia, o emblema do vate inspirado, a insígnia do sacerdote sagrado, do duida vestido de branco, do bardo nórdico.
O mito de Zeus e Leda, à primeira vista, retoma a interpretação masculina e diurna do simbolismo do Cisne, mas examinando o mitologema um pouco mais de perto, pode se chegar a uma outra conclusão, o que bem patenteia a complexidade do mito e de seus símbolos.
Zeus, nos diz o mito, só se transformou em cisne, para conquistar Leda, depois que esta, para fugir-lhe, se metamorfoseou em gansa. A gansa, é um avatar do cisne em sua acepção lunar e fêmea.
Os amores de Zeus-Cisne e Leda gansa representam, assim, uma bipolarização do símbolo, o que leva e pensar que os gregos, fundindo as duas acepções diurna e noturna, fizeram do cisne um símbolo hermafrodito, em que Zeus e Leda são a mesma personagem.

A imagem do cisne é hermafrodito. O cisne é feminino na contemplação das águas luminosas e é masculino na ação 
Para Bachelard, "a imagem do cisne é hermafrodito. O cisne é feminino na contemplação das águas luminosas e é masculino na ação. Para o inconsciente, a ação é um ato". A imagem do cisne torna-se, então para Bachelard como a do desejo, que busca a fusão das duas polaridades do mundo, manifestadas em suas duas luminárias, o sol e a lua. Pode-se, destarte, interpretar o canto do cisne como as palavras quentes e eloquentes do amante, antes daquele momento tão fatal à exaltação que é verdadeiramente a morte amorosa. O cisne morre cantando e canta morrendo, convertendo-se, de fato, no símbolo do desejo primeiro, que é o desejo sexual.
O canto do cisne parece estar latente na cedeia simbólica luz-palavra-sêmen, de acordo com a aproximação que faz Jung do radical sven, do sânscrito svan, "murmurar", chegando à conclusão de que o canto do cisne (Schwan), ave solar, é tão-somente a manifestação mítica do isomorfismo etimológico da luz e da palavra.
No Extremo Oriente, o cisne é ainda símbolo de nobreza, de elegância e de coragem. Símbolo também da música e do canto, enquanto a gansa selvagem, cuja desconfiança se conhece bem, o é da prudência. Da gansa se seve o I Ching para indicar as etapas de uma progressão circunspecta, uma progressão, claro está, suscetível de uma interpretação circunspecta, uma progressão claro está, suscetível de uma interpretação espiritual. O cisne e a gansa, porém, não se distinguem com nitidez da iconografia hindu, de tal modo que o cisne (hamsa) de Brahma, que lhe serve de montaria, possui o aspecto da gansa. Aliás, o parentesco claro. Hamsa, montaria de Varuna, é ave aquática, mas, enquanto montaria de Brahma, é símbolo de elevação do mundo informal para o céu do conhecimento.
O simbolismo do cisne além disso está ligado ao ovo do mundo, que ele põe ou choca, como a gansa do Nilo, no Egito antigo; a hamsa chocando Brahmanda nas águas primordiais da tradição hindu e ao ovo de Leda e Zeus, de que nasceram os imortais Pólux e Helena.
O cisne participa igualmente da simbólica da alquimia, uma vez que a ave de Apolo sempre foi considerada como emblema do mercúrio, de que participa pela cor, pela mobilidade e pela volatilidade, configurada em suas asas.
O cisne expressa um centro místico e a união dos opostos (água - fogo), em que se encontra seu valor arquetípico de andrógino. O Canto do Cisne configura o mercúrio, que, condenado à morte e à decomposição, transmite sua alma ao corpo interno, proveniente do metal imperfeito, inerte e dissolvido.


Retirado de Prof. Junito de Souza Brandão
Escrito em 08/09/08




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